sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Mineira na praia - mas não em férias - 1






Faz calor demais, mas o centro é muito lindo. Dia desses fui num happy hour na Rua do Ouvidor. Um beco com boteco. E cerveja original com tira-gosto. Até me senti em casa. Fui caminhando devagar e olhando para cima, vendo os prédios imponentes. Os modernos se misturam com os centenários e os palácios. Numa brecha apareceu um fio de sol e a silhueta das montanhas. Estou no Rio de Janeiro, saindo do trabalho.

O coração anda ocupado, mas o Carlos Drumond de Andrade já avisou que o amor quando pula o muro e sobe na árvore tem um destino daqueles. Enquanto finjo evitar esse destino, vou me ocupando com a praia há três quadras da minha casa e a caminhada diária até a estação do metrô. Vou trabalhar. Volto. Como um "japonês" por conta da empresa. Não está ruim não, né? E ainda por cima, estou dando sorte com os cariocas que têm fama de serem marrentos. Desde que cheguei tenho sido muito bem recebida em todos os lugares. Convite para teatro, cinema, um barzinho. Com nome na porta e direito a acompanhante. Vinho na casa de uma querida amiga. Camareiras que cuidam de mim como se eu fosse uma órfã. Arranjei um monte de mãe. A do bar da piscina que mesmo quando não quero leva alguma coisa para eu comer, além das bebidinhas para a minha geladeira. A supervisora da limpeza, de uma delicadeza ímpar, cuida da casa como se fosse dela e das minhas coisas com um preciosismo de dar gosto. A do café da manhã que mandou comprar manteiga só para mim. A da recepção que tem um belo de um sorrisão toda manhã. E os rapazes da segurança que abrem a porta e sorriem, consertam alguma coisa. Juro, se eu reclamar, podem me internar.

Ontem no metrô que vive superlotado, dei lugar a uma senhora. Ela ficou repetindo que não precisava, que seria apenas uma estação. Mentira, ela desceria em Botafogo, cerca de quatro estações à frente. Sentou-se e agradeceu com aquela carinha de vó – será que sou sentimental?. Logo apareceu outro lugar aonde me acomodei. Quando me esqueci da velinha e me concentrei na esperada chegada em casa, tomei um susto. Eu estava sentada perto da janela e a senhora ao descer, bateu no vidro e deu um sorriso lindo pra agradecer. Fiquei emocionada. Acho que sou mesmo sentimental...

Saudades?

Todas, mas tenho sido bem tratada por aqui. Que São Sebastião conserve. E que São Jorge me empreste suas roupas e armas para ser só feliz. Porque, já disseram, é melhor ser alegre que ser triste.

Amém.


domingo, 24 de janeiro de 2010

Verdade



Monossilábica ou
silenciosa.

Antes fosse
um grito, um surto
ou um soco.


sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Eurita 357





É assim. Um turbilhão. Não é possível que em nenhum momento da minha vida as coisas vão acontecer de forma mais serena, mais calma. Calma! Mal cheguei na casa de varanda pra serra. De rede vermelha de amar. Amar o amor e amar a vista. Que que tem se não é pro mar? Tem nada não. Tinha. O marido deitado nela fumando o cigarrinho, com cara de pensativo. Tinha o bonito, nos quarenta e sete do segundo tempo, que adora uma rede, pra eu aconchegar e ficar bem perto. E uma santa que fica vigiando tudo o que acontece ali. Quase não coube no espaço, mas ela quis caber e coube. E deve fechar os olhos às vezes pra não ver tamanha confusão de gente. Gente que entra, gente que sai. Gente que vai e vem. E fica. E tanta música esquisita. E música boa também. A santa deve ficar agoniada algumas vezes que sente que alguma tristeza paira no ar. Porque tristeza é uma coisa que não combina com aquele lugar. Vale até luzinhas de natal sem ser natal. Mesmo que todo mundo que entre fale, olhe, é natal. Que raiva. Nem entendem a instalação do marido. E ele nada de Guimarães Rosa. Até achou bonita a letra no azulejo, mas o Leminski agradou mais. Eu acho. Acho também que a cozinha é grande, ótima para cozinhar, mas só tem cerveja. E vinho. Vinho. E cerveja. A maior produção de latinhas das redondezas. Nunca vi. Dá até para abrir um negócio. Só os amigos sustentariam o empreendimento. Faltou cozinhar. O marido até fala que gosta de cozinhar. Eu também. Mas o negócio dele mesmo é o tal wii. E o meu, não sei. Sorte que o Bolão é do lado. Ui, às vezes o cheiro de bolonhesa causa até desespero. Faltou o cachorro também apesar da jabuticabeira e as outras meninas terem cumprido um papel importante. Claro que num bairro como aquele, plantas ajudam a compor o cenário. Ah, e o barbeiro velinho também. Pelo menos para o marido passar em frente e dizer que vai fazer a barba lá um dia. Um dia vai, mas antes é preciso ir ao Marilton’s, tomar uma...cerveja. Novidade. Além da vontade de variar o cardápio. Mudar de rochedão, pra caol. Mudança significativa. Pelo menos anda uns quarteirões pra queimar as calorias. Mentira. Vai de carro mesmo. Essa vida ainda vai nos matar... Mas não isso mesmo que nos faz viver? È marido...essa vida é bandida mesmo. Ela faz o que quer. Rouba da gente o que quer, devolve quando quer ou nem devolve. Dissolve. Agora a vista pro mar está até bonita. O cristo tem uns braços abertos assim, grandão, que é bom pra quem é carente assim, tipo eu. A música está em todo lugar e o medo dentro de mim. Estou enfrentando o medo mais uma vez. Sozinha. Mais uma vez sozinha, mas dessa vez acompanhada das melhores lembranças da casinha de varanda com rede vermelha com vista pra serra, um marido, um bonito, muitos amigos, uma santa, algumas plantas e muita saudade.


Imagem: um amanhecer na eurita 357